ANDOU MESMO ENOQUE COM
DEUS ?
“Andarão dois juntos, se não
houver entre eles acordo?” (Amós 3:3).
No capítulo quarto do livro de Gênesis, o autor descreve os descendentes de Adão
seguindo duas linhas diferentes de adoração através de Caim e Abel: Abel
adorando Deus pela fé e trazendo sacrifício de sangue como base de sua
aceitação. Caim, recusando a expiação vicária requerida pela graça, exibiu
apenas o produto de seu próprio trabalho, o que foi, de imediato, recusado pelo
Criador. O remanescente do capítulo esboça a linhagem ímpia da queda de Caim até
a sétima geração e, culmina com um relato do nascimento de Sete, o sucessor
designado de Abel e do qual deveria descender a raça escolhida e o Messias.
Uma nova seção é aberta no capítulo quinto de Gênesis: O justo Abel foi morto, e
todos os descendentes de Caim estão condenados à destruição pelo Dilúvio.
Portanto, é de Sete a linhagem de Noé, cujos filhos, ao saírem da Arca,
repovoarão a terra. Chamam a atenção do estudante da Bíblia duas frases: “No dia
em que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez”, (Gn 5:1) e “Adão... e
gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem” (Gn 5:3).
Pelo pecado, Adão perdeu a semelhança de Deus e sua natureza se tornou corrupta
e, um pai caído não podia fazer mais do que gerar um filho de natureza
pecaminosa, corrupta. Sete foi gerado à semelhança de um pai pecador e
transmitiu à sua posteridade o que havia recebido. Temos aqui, a doutrina da
pecaminosidade universal. Os versículos decorrentes traçam os descendentes de
Sete e, a morte é amplamente narrada durante o registro. Lemos oito vezes: “E
ele morreu”.
Contudo, nos versículos 21 a 24 lemos uma notável exceção: Enoque, o sétimo
desde Adão, não morreu. Ele foi trasladado sem ver a morte. “Enoque viveu
sessenta e cinco anos e gerou a Metusalém. Andou Enoque com Deus; e, depois que
gerou a Metusalém, viveu trezentos anos; e teve filhos e filhas. Todos os dias
de Enoque foram trezentos e sessenta e cinco anos. Andou Enoque com Deus e já
não era, porque Deus o tomou para si” (Gn 5:21-24).
A primeira idéia que é inferida em “Enoque andou com Deus” é reconciliação. Uma
pergunta pertinente é feita em Amós 3:3: “Andarão dois juntos, se não houver
entre eles acordo?” Logo, dois andando juntos supõe acordo, afinidade, harmonia.
Quando as Escrituras falam que uma pessoa andou com Deus, está implícito que ela
foi reconciliada com Deus, e não o inverso. Andar com Deus implica uma
correspondência de natureza, pois a luz não tem comunhão com as trevas. (Cf. 1Jo
1:6, 7). Como qualquer outro descendente de Adão, Enoque possuía uma natureza
pecaminosa e, por conseguinte, era um potencial pecador e carente da “glória de
Deus”.
Em Hebreus 11:5, encontramos a chave da reconciliação de Enoque com o Céu: “Pela
fé, Enoque foi trasladado para não ver a morte [...] obteve testemunho de haver
agradado a Deus.” Nascido neste mundo, um perdido pecador é salvo pela graça
mediante a fé, nasce de novo e é feito participante da natureza Divina. Ele é
conduzido a um concerto com o Soberano e justificado para ter comunhão com o
Altíssimo.
“O CAMINHO FAZ-SE CAMINHANDO”
(ANTÔNIO MACHADO: 1875-1939)
“Enoque viveu sessenta e cinco anos e gerou a Metusalém. Andou Enoque com Deus”
(Gn 5:21, 22). O texto bíblico não diz que Enoque andou com Deus
antes que seu filho nascesse, e a
conclusão provável é a de que a chegada deste presente de Deus pode ter sido o
meio de conduzi-lo a esta íntima comunhão. Deveria ser sempre assim. As
responsabilidades paternais deveriam nos lançar cada vez mais em direção a Deus.
“Durante aqueles primeiros anos Enoque havia amado e temido a Deus, e guardara
Seus mandamentos. Após o nascimento do primeiro filho, atingiu uma experiência
mais elevada; foi atraído a uma comunhão mais íntima com Deus” (Ellen G. White,
Obreiros Evangélicos, p. 51).
O nome de seu filho sugere fortemente que Enoque tinha recebido uma revelação de
Deus. Metusalém significa: “Juízo de Deus”. “Quando ele morrer, o fim virá”.
Enoque deve ter convivido com a urgência do tempo. Desde a época em que
Metusalém nasceu, o mundo perdeu todo o seu encanto para Enoque e, daquela
período em diante, como nunca antes, ele andou com Deus.
Andar com Deus é uma necessidade de todo ser humano devido à grande carência de
segurança, proteção, sustento e conforto. Assim como a criança sente-se segura
andando ao lado de seu pai, nós também nos sentimos quando andamos com Deus.
Este tipo de andar significa: concordar,
comungar, harmonizar, combinar, compartilhar, estar em sintonia. Para andar
com Deus é preciso estar de acordo com Ele.
O verbo “andar” vem do vocábulo hebraico
“Klh” – (halak), que além de outros, tem o sentido de “caminhar
aproximadamente”, “caminhar junto de”, “conduzir”, trazendo a idéia de
proximidade, comunhão. Enoque desfrutava de uma comunhão íntima com o Senhor. O
verbo “tomar”, de acordo com o vocábulo hebraico
“xql” – (laqach), tem o significado
de “levar”, “arrebatar”, “remover”, “levar pela mão”. Enoque foi removido da
terra para os céus, sem passar pela morte.
COMO ENOQUE ANDAVA COM DEUS?
“O andar de Enoque com Deus não era em transe ou em visão, mas em todos os
deveres da vida diária. Não se tornou eremita, isolando-se inteiramente do
mundo; pois tinha no mundo uma obra a fazer para Deus. Na família e em suas
relações com os homens, como esposo e pai, amigo e cidadão, era o resoluto e
inabalável servo do Senhor” (Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, pp. 51, 52).
“Enoque foi um ensinador público da verdade na época em que viveu. Ele ensinava
a verdade; vivia a verdade; e o caráter do ensinador que andava com Deus era, em
todos os aspectos, harmonioso com a grandeza e santidade de sua missão. Enoque
era um profeta que falava movido pelo Espírito Santo” (Ellen G. White,
Recebereis Poder, 253).
ENOQUE NA TERRA DE CAIM
“Ao serem-lhe reveladas as cenas do futuro, Enoque tornou-se um pregador da
justiça, levando a mensagem de Deus a todos os que quisessem ouvir as palavras
de advertência. Na terra para onde Caim procurara fugir da presença divina, o
profeta de Deus tornou conhecidas as maravilhosas cenas que haviam passado
perante sua visão. ‘Eis que é vindo o Senhor’, declarou ele, ‘com milhares de
Seus santos; para fazer juízo contra todos e condenar as suas obras de
impiedade, que impiamente cometeram.’ Judas 14 e 15” (Ellen G. White, Obreiros
Evangélicos, p. 52).
FÉ SEM INTIMIDADE NÃO É FÉ
Com a visão dos nossos dias, creio, Jesus suscitou uma relevante reflexão:
“Contudo, quando vier o Filho do homem, achará, porventura, fé na terra?” (Lc
18:8). Nenhuma outra geração tem se concentrado tanto na fé quanto a nossa.
Todos os dias multiplicam-se os que falam sobre fé: Sermões, cursos, livros e
conferências se espalham com o intuito de levar uma mensagem de fé. Hoje há
pastores da fé, mestres da fé, até igrejas da fé. Obviamente, se há um tipo de
especialização ocorrendo no mundo religioso nos dias de hoje, é sobre esta área
da fé.
Infelizmente,
aquilo que uma grande maioria das pessoas considera ser fé hoje, não é fé
segundo o crivo das Escrituras, pois é um tópico totalmente humanizado,
materializado, como se a fé
existisse só para ganho pessoal, ou para atender às necessidades pessoais,
desprovida de piedade prática. A Palavra
de Deus é clara ao descrever que toda fé verdadeira nasce da intimidade com
Cristo. O fato é que, se a fé não vem a partir desta intimidade, não é fé aos
Seus olhos.
Hebreus capítulo onze fala de um padrão bíblico de intimidade: encontramos um
denominador comum na vida das pessoas mencionadas. Cada uma tinha uma
característica pessoal que denota o tipo de fé que Deus ama, ou seja, uma fé
nascida de uma profunda intimidade com o Senhor que vem de se desejá-Lo
ardentemente, de um laço de união, de comunhão. “A intimidade do Senhor é para
os que O temem, aos quais Ele dará a conhecer a Sua aliança” (Sl 25:14). O fato
é que é impossível possuir a verdadeira fé sem compartilhar intimidade com Ele.
Segundo Hebreus, foi a intimidade de Enoque com o Senhor que
tanto O agradou. Tanto quanto se sabe,
este homem nunca realizou um milagre, nunca desenvolveu uma teologia profunda,
nunca fez grandes obras que merecessem menção nas Escrituras. Em vez disso,
lemos esta declaração simples da vida deste homem simples: “Andou Enoque com
Deus”. Através do exemplo de Enoque, aprendemos que muito mais importante do que
ter ou
fazer é SER.
Em nossa sociedade atual, espiritualidade é medida proporcionalmente pelos bens
que adquirimos, ou pelos grandes “feitos” que realizamos em nome da religião.
Porém, se estivermos “andando com Deus”, não vamos mais precisar de nenhum
subsídio para evidenciar nossa comunhão com Ele. Não precisaremos mais do
marketing religioso para vender a nossa imagem pública diante das pessoas. Pois
a única coisa que realmente terá importância pra nós será a bênção de “andar com
Deus.” Que seja esta a nossa marca, o nosso slogan, o fator diferencial da nossa
vida.
DEPENDÊNCIA, CADA DIA, DE DEUS
Um marido, cansado de problemas familiares, desabafou para a esposa: “É
incrível! Sempre temos um problema familiar pelo qual orar. Parece que isso não
acaba nunca!” A esposa ponderou: “E o que você queria? Ser independente de
Deus?” A vida cristã é isto – dependência diária de Deus, tanto na paz como na
tempestade. Nos escritos bíblicos encontramos revelações muito francas sobre os
defeitos de caráter de grandes homens de Deus, como Abraão, Isaque, Jacó,
Moisés, Davi e outros. Sobre Enoque, lemos que tinha “intuição de sua própria
fraqueza e imperfeição” (Patriarcas e Profetas, p. 85).
A vida de Enoque é, sem dúvida, um exemplo para os crentes de todas as épocas.
Nosso andar com Deus não deve ser alcançado através de experiências místicas ou
afastamento da sociedade, “mas em todos os deveres da vida diária”. Em meio à
correria desenfreada da vida moderna, precisamos “aquietar” para conhecer e
saber Quem é Deus (Cf. Sl 46:10). Vivemos na era dos “fast food”, aviões e trens
velozes, os quais tornam possível estarmos em dois ou três lugares no mesmo dia.
Apesar de tudo isto, a cruz possibilita o nosso andar com Deus.
Martinho Lutero tinha uma frase que dizia: “Não sei por quais caminhos Deus me
conduz, mas conheço bem o meu Guia.” “Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados à
comunhão de Seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1:9). Aquele que
experimenta o novo nascimento, precisa crescer na graça e no conhecimento de
Cristo, o que não ocorre da noite para o dia, mas é obra de uma vida inteira.
Basta entregar-se, diariamente, à fonte dessa transformação.
Realmente
Enoque não era do tipo que apreciava fazer as mesmas promessas, todos
os finais de ano, dizendo que no ano seguinte faria mais exercícios,
comeria mais frutas, passaria mais tempo com a família, investiria mais
tempo em oração, etc. Nada disso. Enoque era homem com hábitos bem
claros e que sabia aonde queria chegar. Não era muito afeito a
sentimentalismos típicos de Ano-Novo, mas optava por decisões
consistentes e duradouras. Isso ele aprendeu diretamente com seus pais e
com Deus. Aliás, o sujeito se tornou companheiro inseparável do Eterno.
Quem não conhecia Enoque, pensava que era
mais um louco. Parecia que, às vezes, falava sozinho enquanto
caminhava. Nem pensar em insanidade. Apesar da longevidade, Enoque não
tinha qualquer traço de senilidade. Tratava-se de um homem bem lúcido,
capaz de ter uma boa palavra para quem se aproximava dele. Aliás, seus
conselhos valiam ouro. Com a experiência de dezenas de anos de vida e a
proximidade com o Criador, Enoque bem que podia cobrar até 500 mil
dólares por palestras. Ficaria rico em pouco tempo! Convites não
faltavam para se assentar nas várias rodas de ouvintes e a todos
procurava atender.
De vez em
quanto, entretanto, Enoque sumia temporariamente. Subia um monte,
afastava-se por um rápido período de tempo do povo em geral e ficava em
profunda reflexão com Seu grande amigo. Era a hora de providenciar uma
recarga especial de baterias. Mas longe de ser um ermitão, um cidadão
isolado, alheio às necessidades daqueles que conviviam com ele. Enoque,
com seus filhos, mantinha um bom relacionamento na comunidade. Homem de
ótima reputação; em resumo, era uma referência para quem tinha dúvidas
acerca de como as coisas funcionavam no reino celestial. Queria entender
um pouco mais de Deus? Não precisava navegar na web, nem assistir a
programas de TV ou comprar livros específicos. Bastava passar uns
minutos com Enoque que muitas dúvidas eram esclarecidas.
Dizem que o hábito faz o monge, mas, no
caso de Enoque, o hábito fez muito mais do que isso. Repetidamente esse
contato com o Eterno fez com que o próprio Deus resolvesse tomar uma
atitude meio “radical”. Resolveu recompensar o amigo da terra e o levou
para morar com Ele, só que no céu. Que presente de Ano-Novo! E, para
completar, recebeu um vislumbre do que seria o futuro com o Salvador da
humanidade. O que mais poderia querer o bem-aventurado Enoque?
Nada. Apenas desfrutar uma vida sem
passar pela morte. Privilégio de pouquíssimos, oportunidade ímpar que o
homem religioso, de hábitos cotidianos e de vida modesta, soube
aproveitar. Quem não passou um tempinho com Enoque, enquanto ele viveu
sua vida por aqui na terra, agora pode meditar no seu passado exemplar.
Se ele foi perfeito, isso eu não sei. Mas certamente é um modelo a ser
seguido por todos aqueles que não querem fazer apenas promessas em 2012,
mas tomar importantes decisões.
Para mim, Enoque, sem dúvida alguma, foi um homem reavivado espiritualmente.
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